Thursday, May 17, 2007

Experiência da Morte

Lembro-me na perfeição da rotina diária que mantinha. A porta batia e eu pequena, frágil e sonolenta, corria para o pequeno quarto sem janelas, saltava para cima da cama e mergulhava nos seus braços onde ela me aconchegava e me fazia crer que o mundo era perfeito. Tão perfeito como um quadro de Picasso, livre a interpretações que não podem ser julgadas.
Não gostava que lhe chamassem Paula. Dizia sempre: “Não me chamem Paula! Paula enche muito a boca! Paula! Eu chamo-me Aurora!”. Era a minha bisavó. A minha doce e eterna bisavó: Aurora. A Senhora idosa que delirava e soltava gargalhadas enquanto via Rugby ou Boxe. A que toda a gente adorava pela sua simplicidade e alegria. A que rasgava em mim o maior dos sorrisos.
Devia ter os meus quatro anos quando a experiência da morte me bateu à porta. O eterno descanso da Alma.
Nunca vou esquecer a sua face pálida e o momento em que o ar lhe fugiu. Fiquei imóvel e completamente impotente perante o desespero nos olhos da minha avó, que com um pequeno espelho constatava que a sua respiração havia parado.
Às vezes ainda lhe sinto o cheiro. Às vezes ainda fecho as cortinas e quando as abro: chove.

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